Será que em algum momento entre
2015 e 2020 houve uma redefinição de conceitos morais e, com isso, algumas
corrupções passaram a ser aceitáveis? Eu acho que sim, pois eu vejo muita gente
que foi às ruas em 2013 e 2014 vestindo verde e amarelo e gritando contra a
corrupção aparentemente não se importar com as notícias que ligam o atual presidente
e seus apoiadores com uma série de fatos flagrantemente ilegais.
Após a prisão do ex-policial
Fabrício Queiroz, vimos todos os veículos de comunicação, inclusive alguns
alinhados com o presidente Bolsonaro, listando uma série de ilegalidades cometidas por Queiroz na época que ele e outros membros da sua família eram “contratados”
pelo gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
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Fonte: flickr.com |
Acontece que mesmo com todos os
indícios, e algumas provas, do envolvimento da família do
presidente nessas ações ilegais, pesquisas mostram que o número de apoiadores do governo (pessoas que acham que Jair Bolsonaro faz um trabalho ‘bom’ ou ‘ótimo’ na cadeira presidencial) não teve uma queda significativa, se mantendo próximo dos 40%.
Isso me leva a duas possíveis
explicações. A primeira é que após a queda da ex-presidente Dilma Rousseff e o
fim do governo Michel Temer, houve a criação de um novo código de conduta moral
que instituiu uma espécie tabela de corrupção na administração pública e com
isso, crimes como a “rachadinha”, envolvimento com a milícia e atentados contra
as instituições democráticas, são mais aceitáveis que a corrupção na Petrobrás e
o recebimento de propina de empreiteiras.
Já a segunda hipótese é que
estamos vendo o surgimento de um novo fenômeno cultural que podemos chamar de terraplanismo
moral. Um movimento que, assim como o seu coirmão, exige de quem insiste em
acreditar nas falácias propagadas por apoiadores um enorme malabarismo retórico
para contemporizar suas teorias da conspiração.
O problema é que, diferente do
movimento original, que na sua essência não faz mal a ninguém, o terraplanismo
moral já resulta em milhares de mortes pelo Coronavírus, milhões de pessoas sem
emprego, e numa brutal perda da credibilidade internacional do Brasil.
É justo o argumento de quem pede punição
para os envolvidos nos crimes cometidos pelos governos anteriores – eu também
concordo –, mas a sua busca por justiça não pode se restringir a quem tem um
posicionamento político diferente do seu, pois essa indignação seletiva pode,
como já vimos muitas vezes, acabar se voltando contra você.